Apresenta-se menina e menina permanece, até que a conversação abandona a banalidade dos assuntos cotidianos e envereda por recordações amorosas.
O sorriso, aberto e luminoso, cede lugar à figura grave e distinta. Os olhos, antes brilhantes, tornam-se opacos. As sobrancelhas, destacadas quando do sorriso, aproximam-se mutuamente. A menina se converte em mulher, sem que se consiga apontar a mais encantadora.
Ouve, ainda, como a menina, atentas que são as crianças às histórias que se lhes contam. Responde, no entanto, como a mulher, cujos pareceres não revelam senão maturidade e experiência.
As palavras lhe saem meigas, quais as da menina subsistente. Agora, porém, com o prestígio da mulher.
Encerrada a conversa, lembradas as desventuras, a iminência da separação atormenta.
Não se quer se despedir.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
sábado, 20 de setembro de 2008
Invasão Bárbara
Quem uma vez sucumbiu ante sua força agora insiste em lhe resistir. Falha ao tentar encobrir suas verdadeiras intenções e acredita ser possível adiar nova cessão. É prepotente ao apostar na constância da investida, e patético ao temer perder a preciosidade que ora afasta.
Aquela tinha suas razões para persistir. Contudo, seu alvo não mais se lhe apresenta tão encantador quanto outrora. Esse, a que se dedicou, a que tanto mais se dedicaria, já não merece seus exaustivos e pacientes cuidados.
Ela, sim, é digna de toda homenagem e zelo, ciente de seu inestimável valor.
Sabe quando lhe é negada devida atenção.
Parte.
Aquela tinha suas razões para persistir. Contudo, seu alvo não mais se lhe apresenta tão encantador quanto outrora. Esse, a que se dedicou, a que tanto mais se dedicaria, já não merece seus exaustivos e pacientes cuidados.
Ela, sim, é digna de toda homenagem e zelo, ciente de seu inestimável valor.
Sabe quando lhe é negada devida atenção.
Parte.
domingo, 14 de setembro de 2008
Correspondência
Ao Cair da Noite - Eugênio de Castro
Numa das margens do saudoso rio,
Contemplo a outra que sorri defronte:
Lá, sob o Sol, que baixa no horizonte,
Verdes belezas, enlevado, espio.
-Ali (digo eu), será menos sombrio
O viver que me põe rugas na fronte...
E erguendo-me, atravesso então a ponte,
Com meu bordão, cheio de fome e frio.
Com meu bordão, cheio de fome e frio.
Chego. Desilusão! Da margem verde
Eis que o encanto, de súbito, se perde:
Bem mais bela era a margem que eu deixei!
Quero voltar atrás. Noite fechada!
E a ponte, pelas águas destroçada,
por mais que a procurasse, não achei!Prezado Eugênio,
A margem de lá não sei se me sorri. Não sei nem se a espio assim, tão enlevado.
Porém, contando ou não com o sorriso da de lá, não conto mais com o da de cá, e tenho de deixá-la.
"O viver que me põe rugas na fronte" pode ser que menos sombrio lá se torne. Saberei somente quando chegar.
Não temo a desilusão. A margem que contemplo é belíssima.
E não tenho porque temer águas destroçadoras, pois que a margem de cá se me fechou.
domingo, 7 de setembro de 2008
!
Saber em que pensar. ser verdadeiro, não trair ninguém. falar trivialidades. fazer o que vier à cabeça. enfrentar o pesar. insistir não vale nem convém. o tal do egoísmo permanece um mistério. ser menos ingênuo e mais atento. não se exceder na expressão de sentimentos nem querer impressionar. não esperar do outro a entrega a que se dispõe. aceitar que não há escolha senão perseguir o fim do desejo. expectativa alguma! convicção de que nunca se conhece uma pessoa tão bem que não se possa se surpreender com suas decisões. seguir adiante e transparecer, nunca por inteiro. sorrir e se resguardar. quanto à ternura, que não mais se encontra nos braços em que se encontrava, ficar feliz por tê-la tido até por mais tempo do que se era de esperar, dadas as condições atribuladas em que se a conquistou. não temer ser injusto com ninguém, agora que se parte sem pendências. refúgio nenhum. ler, sim, claro. e sempre! desta vez, não mais para se distrair. escrever, o que se faz de melhor. e publicar, porque há pouco que esconder.
quarta-feira, 6 de agosto de 2008
Cinelândia
Os tipos são os mais diversos, descontraídos ou carrancudos, saudáveis ou moribundos, asseados ou imundos, discrimináveis até que se instala o tumulto à hora do almoço, a partir do qual o cuidado se desvia das faces para os pés, nos quais não se quer pisar.
Perambulando pelas imediações da Cinelândia, alcanço a rua do Ouvidor, que, por constar da literatura de Machado, dele faz com que eu me recorde prontamente.
A lembrança do ídolo poderia muito bem ter provocado uma peculiar saudade, aquela do que não se viveu. Uma deleitável sugestão do Rio das últimas décadas do século XIX, cenário de suas obras. E meu deslumbramento com o Real Gabinete Português de Leitura, esplêndida biblioteca outrora freqüentada pelo escritor, poderia ter-lhe esboçado os contornos, sentado à mesinha de madeira, enfiado num livro.
Nada, contudo. Nenhum delineamento da franzina figura. Tampouco de qualquer outro vestígio da antiga capital. A realidade não cedeu lugar à fantasia alguma.
Não que eu esperasse uma repentina configuração daquela época aos meus olhos. Nem que meu passeio tenha sido menos divertido pela ausência de um Rio imaginário.
Apenas isto: mais sedutor que o passado legítimo é um outro que o poderia ter substituído.
sexta-feira, 18 de julho de 2008
Férias no Quilombo
Descer do ônibus e travar o primeiro contato com o frio serrano. Vestir o moletom e, malas às costas e ao peito, começar a percorrer a estrada de terra que leva à fazenda. Ser invadido pelo ar gelado ao respirar e não saber dizer se boa ou ruim a sensação por ele provocada. E sentir o chão irregular por debaixo das solas delgadas dos tênis, ao caminhar sem outra iluminação que das estrelas e da lua crescente.
Chegar à casa dos tios e ser surpreendido pelos cheiros mesclados de cana-de-açúcar triturada e do curral. Ser recebido pelo cachorro e lhe acariciar o pêlo emaranhado. Ligar para os pais, do telefone de discar.
Sentar-se à boca do fogão à lenha para ler, ou simplesmente para quentar fogo. Embriagar-se com as chamas e com a brasa e descobrir que, por um tempo que não se sabe quantificar, passou-se desocupado de pensamento algum, e se despertou como que de um transe.
Ouvir sempre as mesmas histórias, sem delas nunca se cansar. E rir numa vez mais que noutra, até atingir uma contração abdominal às margens da dor, que de dor nada realmente tem.
Comer pão com queijo branco e tomar iogurte caseiro com groselha. E sucos, de laranja ou limão rosa, recém apanhados do pé. E os refrigerantes no copo de alumínio, que faz deles outros, um tanto melhores.
Deitar-se na rede com o bebê ao colo e sondar inutilmente a impressão que se lhe causa. Ouvir da varanda os gritos e risos das crianças e com elas brincar de esconde-esconde.
Cumprimentar o camarada que volta do bananal com a carroça repleta de cachos e ajudá-lo a descarregá-la.
Subir ao pasto para ler e aproveitar o sol que por lá ainda se debruça, depois de já se ter retirado do gramado. Ter a atenção desviada da leitura para a contemplação dos bezerros e das galinhas-d'Angola contra o poente.
Rachar lenha. Apanhar o machado e golpear violentamente a madeira, precisamente onde se a queria ferir. Revelar e satisfazer como que uma virilidade latente, que não tem vez na cidade.
Não perceber o decorrer dos dias até o momento de se despedir dos tios, aos quais se reservam carinho e admiração singulares e aos quais não se consegue expressar a tamanha gratidão que se lhes tem, senão pelos beijos e abraços e lembranças.
Chegar à casa dos tios e ser surpreendido pelos cheiros mesclados de cana-de-açúcar triturada e do curral. Ser recebido pelo cachorro e lhe acariciar o pêlo emaranhado. Ligar para os pais, do telefone de discar.
Sentar-se à boca do fogão à lenha para ler, ou simplesmente para quentar fogo. Embriagar-se com as chamas e com a brasa e descobrir que, por um tempo que não se sabe quantificar, passou-se desocupado de pensamento algum, e se despertou como que de um transe.
Ouvir sempre as mesmas histórias, sem delas nunca se cansar. E rir numa vez mais que noutra, até atingir uma contração abdominal às margens da dor, que de dor nada realmente tem.
Comer pão com queijo branco e tomar iogurte caseiro com groselha. E sucos, de laranja ou limão rosa, recém apanhados do pé. E os refrigerantes no copo de alumínio, que faz deles outros, um tanto melhores.
Deitar-se na rede com o bebê ao colo e sondar inutilmente a impressão que se lhe causa. Ouvir da varanda os gritos e risos das crianças e com elas brincar de esconde-esconde.
Cumprimentar o camarada que volta do bananal com a carroça repleta de cachos e ajudá-lo a descarregá-la.
Subir ao pasto para ler e aproveitar o sol que por lá ainda se debruça, depois de já se ter retirado do gramado. Ter a atenção desviada da leitura para a contemplação dos bezerros e das galinhas-d'Angola contra o poente.
Rachar lenha. Apanhar o machado e golpear violentamente a madeira, precisamente onde se a queria ferir. Revelar e satisfazer como que uma virilidade latente, que não tem vez na cidade.
Não perceber o decorrer dos dias até o momento de se despedir dos tios, aos quais se reservam carinho e admiração singulares e aos quais não se consegue expressar a tamanha gratidão que se lhes tem, senão pelos beijos e abraços e lembranças.
sexta-feira, 4 de julho de 2008
Braços
Sempre que punha os olhos nos braços de D. Severina, Inácio se esquecia "de si e de tudo". Verdade mesmo, prescindia da presença de D. Severina para entrar a devanear, uma vez que o jovem, protagonista do conto "Uns Braços", de Machado de Assis, andava com tão bonitos braços já "impressos na memória".
O ar distraído de Inácio levou D. Severina a desconfiar de um princípio de paixão. Suposição imediatamente repelida, pois que se tratava de uma criança. Que nada! A condição de criança desacreditaria os sentimentos do garoto, que já contava quinze anos, e a livraria de enfrentar a convivência com um seu cativado.
Criança ou não, Inácio a surpreendeu sobremaneira. Tanto que, num dia em que o menino dormia, D. Severina dele se aproximou e lhe deixou um beijo na boca. Beijo este, aliás, com que Inácio sonhava, precisamente no momento em que verdadeiramente acontecia!
A concomitância entre sonho e realidade jamais se revelaria a Inácio, que, sem saber que se enganava, exclamava ter sido "um simples sonho" o que realmente lhe ocorrera. Sorte de Inácio, que do beijo assim não se lembrava com saudades.
Também eu tenho cá uns braços de que me lembrar. Belos e fortes, da mesma textura que o mais nobre dos tecidos e por tecidos esculpidos.
Diferentemente de Inácio, porém, consegui passar da contemplação ao usufruto dos braços de meus sonhos despertos. Era abraçar e não querer mais soltar. E percorrer os braços todos com as pontas de meus dedos, desejoso de retribuir o prazer que me proporcionavam.
E minha sorte é outra, pois que deles, dos braços, e dos beijos, lembro-me com saudades.
O ar distraído de Inácio levou D. Severina a desconfiar de um princípio de paixão. Suposição imediatamente repelida, pois que se tratava de uma criança. Que nada! A condição de criança desacreditaria os sentimentos do garoto, que já contava quinze anos, e a livraria de enfrentar a convivência com um seu cativado.
Criança ou não, Inácio a surpreendeu sobremaneira. Tanto que, num dia em que o menino dormia, D. Severina dele se aproximou e lhe deixou um beijo na boca. Beijo este, aliás, com que Inácio sonhava, precisamente no momento em que verdadeiramente acontecia!
A concomitância entre sonho e realidade jamais se revelaria a Inácio, que, sem saber que se enganava, exclamava ter sido "um simples sonho" o que realmente lhe ocorrera. Sorte de Inácio, que do beijo assim não se lembrava com saudades.
Também eu tenho cá uns braços de que me lembrar. Belos e fortes, da mesma textura que o mais nobre dos tecidos e por tecidos esculpidos.
Diferentemente de Inácio, porém, consegui passar da contemplação ao usufruto dos braços de meus sonhos despertos. Era abraçar e não querer mais soltar. E percorrer os braços todos com as pontas de meus dedos, desejoso de retribuir o prazer que me proporcionavam.
E minha sorte é outra, pois que deles, dos braços, e dos beijos, lembro-me com saudades.
quinta-feira, 26 de junho de 2008
momento perfeito
Em Virgínia, num domingo de Páscoa, houve uma vez em que eu, pouco antes de partir de volta a São Paulo, e acompanhado de duas das mais queridas amigas que tenho, fui a uma padaria e comprei um dos melhores lanches que já comi. Nós três nos sentamos na fachada de uma loja, em frente às crianças que curtiam seus últimos momentos na cama elástica, instalada somente nos dias de festas, e conversamos a respeito de não sei mais que coisas. O céu estava com a coloração amarelada dos finais de tarde, de que tanto gosto. Num estalo, dei-me conta de que me encontrava plenamente feliz.
Aquela certamente foi uma das "situações privilegiadas" a que Anny, em A Náusea, de Sartre, costumava se referir. Situações de uma "qualidade totalmente rara e preciosa", em que os nela envolvidos estivessem arrebatados por algum sentimento. Em meu caso, uma profunda calma interior. Contudo, eu não soube fazer dela um "momento perfeito". A verdade é que nem podia, não havia lido o livro até então.
Anny falava que transformar situações privilegiadas em momentos perfeitos era uma questão de se perceber mergulhado numa situação excepcional e de sentir que se pode dominar a situação toda. Ações deveriam ser feitas, atitudes tomadas e palavras ditas, e outras palavras e atitudes deveriam ser evitadas.
Para esclarecer o momento perfeito a um atarantado Roquentin, Anny recorda o primeiro beijo que se deram. Ela se sentara sobre urtigas, que a feriam aos menores movimentos, e que ela relevou bravamente. O beijo que estava decidida a dar a Roquentin era de uma importância muito maior que a excitação, maior que um "desejo especial de seus lábios", pois que este ela sequer sentia. Era "um engajamento, um pacto".
Nunca me sentei sobre urtigas. No entanto, já me sentei, muito desconfortavelmente, numa cadeira normal, de maneira a abrigar em meus braços, da maneira mais aconchegante que pudesse, a menina pela qual alimento um imenso carinho. E nos beijávamos, ainda melhor que pela primeira vez e dos melhores beijos de todas as vezes.
Eu já tive um momento perfeito.
Aquela certamente foi uma das "situações privilegiadas" a que Anny, em A Náusea, de Sartre, costumava se referir. Situações de uma "qualidade totalmente rara e preciosa", em que os nela envolvidos estivessem arrebatados por algum sentimento. Em meu caso, uma profunda calma interior. Contudo, eu não soube fazer dela um "momento perfeito". A verdade é que nem podia, não havia lido o livro até então.
Anny falava que transformar situações privilegiadas em momentos perfeitos era uma questão de se perceber mergulhado numa situação excepcional e de sentir que se pode dominar a situação toda. Ações deveriam ser feitas, atitudes tomadas e palavras ditas, e outras palavras e atitudes deveriam ser evitadas.
Para esclarecer o momento perfeito a um atarantado Roquentin, Anny recorda o primeiro beijo que se deram. Ela se sentara sobre urtigas, que a feriam aos menores movimentos, e que ela relevou bravamente. O beijo que estava decidida a dar a Roquentin era de uma importância muito maior que a excitação, maior que um "desejo especial de seus lábios", pois que este ela sequer sentia. Era "um engajamento, um pacto".
Nunca me sentei sobre urtigas. No entanto, já me sentei, muito desconfortavelmente, numa cadeira normal, de maneira a abrigar em meus braços, da maneira mais aconchegante que pudesse, a menina pela qual alimento um imenso carinho. E nos beijávamos, ainda melhor que pela primeira vez e dos melhores beijos de todas as vezes.
Eu já tive um momento perfeito.
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